Râmakrishna

(1836-1886)



Râmakrishna é considerado um dos últimos grandes santos hindus. Teve seu primeiro êxtase aos seis anos: "Eu seguia um caminho estreito entre os arrozais... Levantei os olhos para o céu enquanto mastigava um grão de arroz. Vi uma bela nuvem sombria de tempestade que avançava com rapidez. Ela encobriu o céu inteiro... De repente, na borda da nuvem, em cima da minha cabeça, passou um bando de gruas de uma brancura de neve. O contraste era tão maravilhoso que minha imaginação voou para regiões distantes. Perdi a consciência e caí no chão; o arroz espalhou-se pela terra. Alguém encontrou-me ali e levou-me nos braços para casa. O excesso do prazer , a emoção me subjugaram... Foi a primeira vez que experimentei um êxtase..."

Mais tarde, já adulto, Râmakrishna começou a prestar serviços no templo. Sentia uma necessidade incontrolável de alcançar o absoluto: "...O sofrimento me dilacerava . Ao pensar que não teria na vida a graça desta visão divina, fui tomado de uma ansiedade terrível. Pensei: se isto deve ser assim, estou farto desta vida!... A grande espada estava pendurada no santuário de Kali. Meu olhar caiu sobre ela e um clarão atravessou-me a mente. - Ela!... Ela me ajudará a por fim... Precipitei-me em direção à espada. Segurei-a como um louco... E eis que a sala, com todas as usas portas e janelas, o templo, tudo desapareceu da minha vista. Parecia-me que nada mais existia. Em lugar disto, enxerguei um oceano do espírito, sem limites, resplandecente. Para qualquer ponto que voltasse os olhos, por mais longe que fosse, avistava as vagas enormes deste oceano brilhante. As ondas precipitavam-se furiosamente sobre mim, com um ruído medonho, como se fossem me engolir. Num instante estavam em cima de mim, arrebentaram, engoliram-me. Enrolado por elas, perdi a respiração. Perdi a consciência e caí no chão... Não sei como passei aquele dia e o seguinte. Dentro de mim rolava um oceano de alegria inefável. E até o fundo tinha consciência da presença da Mãe divina..."

Suas visões ganhavam intensidade. Numa exaltação desmedida, rezava, chorava, gritava, cantava, a fim de alcançar o absoluto. Posteriormente, ele encontraria seu primeiro guru, uma monja de nome Bhairavi Brahmani, praticante de ritos vaishnavas e tântricos. Râmakrishna contou-lhe suas visões e sua ansiedade, achando que estava enlouquecendo. A monja respondeu-lhe: "Meu filho, bem aventurado é o homem que conhece esta loucura. O universo inteiro é louco; alguns são loucos de riquezas, outros de prazeres, outros de glória, outros de cem outras coisas. São loucos do ouro que possuem, de seus maridos ou mulheres, loucos de coisas insignificantes, loucos do desejo de dominar alguém, loucos de todas as tolices possíveis, mas nunca loucos de Deus... Todos estes só podem compreender a própria loucura. Se um homem é louco do desejo do Bem Amado, louco do desejo do Senhor, como poderiam compreendê-lo?"

Râmakrishna exercitou-se com sua mestra durante três anos. Após ela ter ensinado tudo que sabia ao jovem discípulo, era hora de Râmakrishna ir além. Foi então que Râmakrishna encontrou-se com Totapuri, um sannyasin (pessoa que renúnciou ao mundo) que havia realizado o Absoluto.

Totapuri ensinou-lhe os conceitos do Advaíta (não-dualidade) , a forma mais elevada do Vedanta (doutrina puramente metafísica). Após a iniciação e o abandono simbólico de toda afeição terrena, após ter vestido a túnica vermelha de sannyasin , emblema da vida nova, Râmakrishna iniciou seu treinamento: "...Totapuri recomendou que libertasse meu espírito de todos os objetos, a fim de mergulhá-lo no seio de Atman (o Absoluto, totalmente incondicionado). Mas apesar de todos os meus esforços, não podia atravessar o reino do nome e da forma, e conduzir a mente ao estado "incondicionado". Não tive nenhuma dificuldade em libertar a mente de todos os objetos, com exceção de um único: a forma muito familiar da radiosa Mãe bem-aventurada, essência da consciência pura, que aparecia diante de mim como uma realidade viva. Ela fechava-me o caminho do além. Tentei diversas vezes concentrar a mente nos ensinamentos do Advaíta mas, todas as vezes, a forma da Mãe interpunha-se. Tomado de desespero, disse a Totapuri: "É impossível! Não consigo elevar o espírito ao estado incondicionado, para encontrar-me face a face com Atman ..." - Ele me respondeu severamente: "Como, não pode? É preciso!". Olhando em volta, avistou um pequeno vidro, segurou-o na mão e me disse: "Concentre a mente sobre este ponto!" - Concentrei-me com todas as minhas forças e, tão logo a forma graciosa da Mãe divina apareceu, usei minha discriminação como se fosse uma espada, e a parti em dois pedaços. Não havia então mais nenhum obstáculo diante da minha mente, que voou imediatamente para além do plano das coisas condicionadas. E me perdi no êxatase..."

Râmakrishna havia realizado o nirvikalpa samâdhi (a suprema realização). Totapuri ao ver tal estado declarou cheio de admiração: "Adquiriste em três dias o que eu só consegui depois de quarenta anos de constante luta". Totapuri, que nunca permanecia mais do que alguns dias em um lugar, permaneceu por onze meses junto de Râmakrishna.

No fim de 1866, Râmakrishna encontra um muçulmano de nome Govinda Rai. Percebendo que Govinda era iluminado pela presença de Deus, resolve pedir-lhe a iniciação. Govinda concorda e Râmakrishna passa a seguir todos os ritos e costumes do islamismo - abandonando por completo os rituais e deveres hindus - a fim de se integrar perfeitamente nesta tradição. Ao fim de três dias, tem a visão de Maomé e realiza o Absoluto.

É importante observar aqui para evitar uma má compreensão dos fatos - que acabou ocorrendo mesmo entre seus discípulos, em especial Vivekânanda - que a experiência de Râmakrishna no islamismo não possui nenhum caráter de sincretismo. Râmakrishna ao afirmar que todas as religiões - desde que ortodoxas - conduzem a Deus, não quis dizer com isso que se pode abolir as religiões em favor de um pretenso universalismo. Todos os caminhos conduzem a Deus, mas deve-se seguir um só caminho sob pena de não se chegar a lugar nenhum. Querer seguir vários caminhos ao mesmo tempo ou não seguir nenhum afirmando que eles são relativos, é condenar-se à ignorância pura e simples. Râmakrishna, ao seguir o islamismo, abandonou o hinduísmo, pois tinha consciência que não se deve misturar as religiões. Ao realizar o Absoluto pelo caminho islâmico, ele se deu conta da validade de outras religiões, mas nunca mencionou que se deveria misturá-las. E Râmakrishna só adotou o islamismo depois de ter realizado o Absoluto pelo caminho hindu, voltando ao mesmo posteriormente. E para a pessoa que alcançou tal estado de espiritualidade, o caminho espiritual que se adota torna-se relativo. Para a pessoa que ainda está buscando a realização, a mudança de uma religião à outra só torna as coisas mais difíceis, pois deve-se começar novamente desde o princípio na nova religião.

Em 15 de agosto de 1886, Râmakrishna morre devido ao agravamento de sua saúde após um longo período em que permaneceu doente.



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Depois da morte de Râmakrishna

Vivekânanda foi o discípulo preferido de Râmakrishna, e a ele havia sido confiado que cuidasse de tudo. Infelizmente, devemos dizer aqui que Vivekânanda não fez jus à confiança que lhe foi depositada.

Vivekânanda tinha preocupações sociais excessivamente fortes, próximas de uma visão marxista: "Eu não sou metafísico, filósofo nem santo! Eu sou pobre, amo os pobres. Quem simpatiza, na Índia, com os 200 milhões de homens e mulheres afundados na pobreza e na ignorância? Quem lhes indicará o caminho para sair? Quem lhes fornecerá luz?... Que estes pobres sejam o Deus de todos!... Somente chamo mahatma (grande alma) àquele cujo coração sangra pelos pobres... Mas enquanto estes milhões viverem na fome e na ignorância, todo homem que tiver recebido uma educação à custa deles, e que não fez nada por eles, é um traidor!". Parecia esquecer-se totalmente dos ensinamentos de seu mestre: "Falais de reformas sociais! Podereis muito bem agir assim depois de Realizar Deus. Recordai: os Rishis (santos) da antiguidade abandonavam o mundo para alcançar Deus. Isto é o único necessário". Obviamente que não somos contra as reformas sociais, mas para quem era discípulo do ilustre Râmakrishna e parecia ter alguma pretensão espiritual, o fato de se dar tamanha importância aos problemas sociais demonstra uma verdadeira incompreensão em relação a verdadeira realização espiritual.

Outro traço marcante dos deslizes de Vivekânanda se encontra na deturpação do hinduísmo que ele pretendeu expôr aos ocidentais. Ele transformou o hinduísmo - e mais especificamente o vedânta - numa doutrina sentimentalista e consoladora, aproximando-se de maneira notável ao protestantismo. Como dissemos mais acima, Vivekânanda parece não ter compreendido bem as experiências de seu mestre no islamismo e mesmo no cristianismo. Ele começou a achar que como todas as religiões conduzem ao mesmo objetivo, não haveria nenhum problema em agrupá-las em nome dum suposto universalismo - que a tudo descaracteriza - e assim ajudou na constituição da Sociedade Vedanta (sic) e posteriormente fundou a Missão Râmakrishna , "uma fraternidade para os adeptos de diferentes religiões".

Pouco antes de morrer, Vivekânanda prestou uma última homenagem a seu mestre: "Se disse uma única palavra verdadeira, ela vem unicamente dele. Se disse muitas coisas que não são verdadeiras, que não são exatas, que não são benéficas para a humanidade, elas vêm unicamente de mim e sou o único responsável". Que assim seja...